Irmandade do Santo Cristo Milagroso e Nossa Senhora da Consolação
Irmandade do Santo Cristo Milagroso e Nossa Senhora da Consolação
Em 1217 São João da Mata e São Félix de Valois fundam em
França aquela que viria a ser conhecida por Ordem da
Santíssima Trindade para a Redenção dos Cativos. O fim
principal era precisamente o de obter verbas que permitissem o
resgate dos cristãos cativos e aprisionados pelos muçulmanos.
Os primeiros frades chegariam a Portugal pouco tempo depois e,
em 1218, com grande apoio do Bispo de Lisboa, D. Soeiro
Viegas, começaria a ser construído o Convento da Trindade no
local onde se encontrava uma ermida dedicada a Santa Catarina.
Anos mais tarde, a Rainha Santa Isabel terá contribuído bastante
para o engrandecimento da igreja e convento, pois destinou o
local para sua sepultura numa das suas capelas. Hoje pouco ou
nada resta deste convento, a não ser parte do claustro, e o
refeitório onde se encontra a conhecida "Cervejaria Trindade".
No ano de 1640, em mais uma das campanhas de obras a que
este Convento foi sujeito, sucedeu que o coro da igreja desabou e com ele duas das primitivas paredes da nave do Templo. Nesse
momento estavam dois frades no coro, de seus nomes, Frei
André da Ressurreição e Frei António da Assunção, que foram
lançados por terra. Juntamente com eles caiu também um Cristo
Crucificado que se encontrava nas grades do referido coro. Frei
André, caindo aos trambolhões pelo chão da igreja, conseguiu
e desprendera da cruz.
abraçar-se ao Cristo que, entretanto, se
Nesse instante, também alguns pedreiros que tinham ficado
soterrados, conseguiram sair ilesos dos escombros. Perante tal
milagre
desastre, mas como todos se salvaram, atribuiu-se esse
à referida imagem de Cristo, que poucos estragos sofrera.
Assim, a partir desse momento, passou o Crucificado a ser
intitulado de Santo Cristo Milagroso, não demorando a ter
Irmandade própria e capela no cruzeiro da igreja
Os mais antigos Estatutos que se conhecem são de 1707,
mandados imprimir por D. Frei Luiz da Silva Teles, futuro
Arcebispo de Évora. O mesmo frade trino ofereceu para a
Capela do Santo Cristo Milagroso um paramento em tela de
ouro, umas grades de prata para protecção da imagem, cinco
lâmpadas perenes e dez mil réis de juro por ano (34).
Em 1755, o Convento da Trindade caiu e ardeu quase por
completo. Só na igreja destruíram-se e arderam mais de 100
imagens, acontecendo o mesmo com a do Santo Cristo.
Reconstruída a nova igreja, já pouco faria recordar o grandioso
templo conventual do passado... No entanto, em relação ao
famoso Cristo Milagroso, a sua Irmandade não tardou em fazer
uma nova imagem, que novamente estaria ao culto dos Irmãos e fiéis. Pouco tempo depois a antiga Irmandade de Nossa senhora
da Consolação da Porta de Ferro pediria licença para se anexar à
do Santo Cristo Milagroso.
A Porta de Ferro era uma das mais importantes da antiga cerca
moura. Estava situada no local onde hoje está o prédio fronteiro
à Igreja de Santo António. Há referências a ela desde a
reconquista de 1147, na célebre "Carta do Soldado Osberno",
não se sabendo no entanto se o seu nome lhe teria sido dado por
esta ser forrada a ferro, ou por estar perto da zona onde
predominavam os ferreiros. Reconquistada a cidade, a porta iria
continuar com a sua utilidade apesar de a pouco e pouco a
cidade ir saindo para fora dos seus muros (37). A primeira
referência à devoção a Nossa Senhora da Consolação da Porta
de Ferro surge em 1437, no Testamento do infante D. Fernando.
O culto aumentaria bastante no séc. XVI, quando Martim
Affonso de Sousa (filho de Lopo de Sousa, aio do Duque de
Bragança) trouxe de Bettencourt, na França, uma imagem de
pedra, para esse local. Juntamente com essa imagem terá trazido
também a de Nossa Senhora a Grande (tradicionalmente
chamada de Nossa Senhora de Bettencourt), que no passado teve
grande veneração na Sé de Lisboa. No inico, a imagem de Nossa
Senhora da Consolação estaria colocada num nicho, mas
segundo uma lenda, fala-se de uma mulher que teria sido
avisada em sonhos, da morte afrontosa que seu marido iria
padecer. Para que tal não se verificasse, como súplica à Senhora
da Consolação, a dita mulher ter-lhe-á mandado construir uma
capela por cima da referida Porta. Com o passar dos anos, como por aqui passava o cortejo dos que iam ser supliciados
Terreiro do Paço, a Misericórdia começou a mandar celebrar
Missas na capela, para que desta forma, quando os supliciados
passassem, pudessem adorar o Sacramento da Eucaristia pela
última vez (31). A primitiva Irmandade da Senhora da Consolação terá sido
criada em 1554, e o primeiro Compromisso foi aprovado pelo
Arcebispo de Lisboa, D. Miguel de Castro, em 1592. A sua festa
era sempre na Segunda-Feira a seguir ao Domingo de Pascoela,
dia de Nossa Senhora dos Prazeres (31). Porta e
Sobre o feitio e decorações da capela nada sabemos. Sabe-se.
isso sim, que em 1502 o rei D. Manuel mandou deitar abaixo a
Porta pela falta de serventia. No entanto, tal não se verificou, e a
capela lá se mantiveram. Sabemos também que no
primeiro degrau da sua escadaria, estava uma lápide romana
votiva ao deus Esculápio (este local foi sempre muito rico em
achados arqueológicos). Com o passar dos anos a devoção à
Senhora da Consolação manter-se-ia, a Missa pelos supliciados
também, mas com o terramoto de 1755 a capela ficaria
completamente arrasada, e o pouco que restava da Porta de
Ferro foi demolido em 1782 (37).
Assim, em 10 de Agosto de 1764, uniram-se numa só as
Irmandades do Santo Cristo Milagroso e de Nossa Senhora da
Consolação. Chegados a 1834, e ao fecho do Convento, viu-se a
Irmandade obrigada a procurar novo templo. Feitos os pedidos
necessários e dadas as respectivas autorizações, passou a estar
sediada na Igreja Sacramento. Não seria por muito tempo, pois a
26 de Maio de 1872, o escrivão da Irmandade do Santíssimo da
referida igreja, informa a Irmandade do Santo Cristo Milagroso,
da necessidade de retirar todos os seus objectos de culto da
igreja, porque o Templo entraria em obras. A Irmandade foi
alertada também que, findas as obras e caso desejassem voltar
ao altar onde estavam, seria obrigatório que restaurassem as
imagens dos oragos, tal como se faria com todas as outras da
igreja. Na verdade, a Irmandade do Santo Cristo Milagroso
também já não ambicionava voltar à Igreja do Sacramento. O
valor da renda a que estava obrigada, e sobretudo o enorme gasto feito com as celebrações dos seus oragos (decorações
panos, flores e sobretudo centenas de velas) num Templo
grande e conceituado, impossibilitava-a de continuar lá.
Procurando-se novo espaço, seriam acolhidos na capela dos
Fiéis de Deus nesse mesmo ano. O pequeno templo seria o local
adequado pois, segundo informam as actas, a maioria dos
Irmãos da Irmandade eram do Bairro Alto e neste local
despesa com as festividades seria muito menor.
No entanto, o culto ia esmorecendo bastante e, em 1885,
Governador Civil de Lisboa, Joaquim de Carvalho, autoriza que
a Irmandade se anexasse à da Senhora da Ajuda, ficando esta na
posse de todos os seus bens.
in Capelas e Ermidas da Cidade de Lisboa, de Alexandre Roque